Quando Resultado e Propósito Caminham Lado a Lado
- Luiz Bouabci
- Sep 1, 2023
- 4 min read
Updated: Nov 18
Talvez um dos temas que mais preocupem quem se ocupa da gestão da humanização nas organizações seja o que se convencionou chamar de "fit cultural". Para quem está imbuído de zelar por um propósito, esse tema é ainda mais latente e incômodo. Como garantir que a jornada de um colaborador seja, do princípio ao fim, abraçada pelos direcionadores que orientam a existência da organização? Como engajar as pessoas genuinamente a estes direcionadores?
Não existe cultura boa ou ruim em uma organização, apenas organizações que declaram a cultura que desejam, aquela que está alinhada com o desejo manifestado pelos valores que constituem seu propósito. As que não o fazem, têm a árdua tarefa de manejar um ambiente multicultural que oferece um enorme risco para a estrutura formal, principalmente para políticas e processos, e coloca em risco o resultado.
O Grupo Roncador é o caso de uma organização com propósito muito claro: produzir alimentos de alta qualidade, contribuindo positivamente para os ciclos da natureza e criando oportunidades de inclusão e desenvolvimento para as pessoas. Todas as unidades de negócio funcionam segundo essas premissas, impulsionadas principalmente pelas crenças do CEO, Pelerson Penido.

O desafio foi sempre o de que ele não fosse, como gerador dessa motivação, o único guardião. A cultura genuína e perene não pode ser operada na estrutura formal da organização, apenas solidificada por ela através de políticas. Com essa compreensão, Pelerson decidiu conhecer melhor a estrutura informal do grupo, aquela fundada nas relações de confiança que se estabelecem com a convivência entre as pessoas.
Líderes vistos pela ótica corporativa são pessoas dotadas de uma série de atributos que correspondem às necessidades de uma descrição de cargo. Não necessariamente têm a capacidade de influenciar pessoas de maneira natural. E nem devem, apenas podem. A influência se manifesta na estrutura informal, aquela baseada em confiança. A Análise de Redes Organizacionais, ONA, tem justamente a capacidade de revelar quem são essas pessoas, quando se tem a consciência de que as duas dimensões organizacionais devem caminhar juntas e que uma retroalimenta a outra. Por isso começamos o trabalho com o diagnóstico.

Normalmente, quando as batalhas a serem vencidas estão no plano operacional, o resultado do diagnóstico orienta emulações que possam provocar uma mudança no padrão de relações que seja capaz de eliminar gargalos. Aqui, no entanto, a aplicação estava totalmente orientada em um corpo sutil. O Agro é um setor no qual o cenário VUCA tem mais força. A matriz de complexidade é enorme e os resultados sensíveis a uma enormidade de fatores. As pessoas na ponta sentem isso. A pressão por resultados é enorme. Apesar disso, no Grupo Roncador sempre foi muito claro que o resultado nunca deve ser conquistado a qualquer custo, que o alimento de alta qualidade deve ser produzido deixando a terra melhor do que foi encontrada e tratando-se as pessoas como gostamos de ser tratados.
Se cultura fosse um software, essa versão utilizada pelo Grupo Roncador exigiria um hardware de altíssimo rendimento, pouco acessível. Ninguém desenvolve ninguém. O desenvolvimento principalmente de consciência é uma escolha íntima de cada pessoa. Por isso, quando, em cada unidade de negócios, utilizamos o diagnóstico da ONA para formar grupos que passariam por um trabalho de desenvolvimento nesse sentido, deixamos claro o tempo todo que ninguém estava obrigado a participar. Não ter a adesão total, quando olhamos para a organização como rede, não é um problema. O Instituto Politécnico Rensselaer comprovou há alguns anos em um estudo que quando 10% de uma rede estão convencidos de algo, o estado da rede toda começa a se alterar.
Confortáveis com o grupo que ficou, começamos uma jornada que partiu do autorreconhecimento, passou pelo reconhecimento das características individuais nos contextos nos quais essas pessoas estavam inseridas, pelo compromisso com a mudança que enxergavam necessária, a construção de um plano, até chegar em um compromisso de grupo. Quando compreendemos um sistema, compreendemos também quase que automaticamente que qualquer mudança deve ser operada de maneira coletiva. Isso não significa que outras iniciativas individuais não devam acontecer. No caso do Grupo Roncador, por exemplo, quando compusemos os grupos mencionados, entendemos que deixar a alta liderança de fora em um primeiro momento era necessário para eliminar qualquer possibilidade de insegurança psicológica que impedisse que as pessoas se manifestassem com total integridade. Como tomadores de decisão e validadores de políticas, os líderes da estrutura formal, enquanto caminhávamos com o grupo de influenciadores, viveu uma experiência de coaching alinhada com a proposta de elevação do nível de consciência.
Paralelamente também, entendendo esses padrões de influência e a configuração dessa estrutura informal, operamos algumas movimentações de pessoas dentro do grupo e atribuímos papéis. Entendemos por exemplo que, o Centro de Serviços Compartilhados do Grupo, sendo a única unidade que mantêm contato com todas as outras unidades, deveria ocupar o o papel de um guardião de cultura. Por isso, nessa unidade, decidimos fazer essa jornada com 100% das pessoas. Em momento algum utilizamos dos resultados da ONA para excluir pessoas, apenas para agregar e dar potência.
Em termos de políticas, uma vez que o ambiente começou a ficar cada vez mais próximos do desejado, iniciativas que estavam sendo ensaiadas há muito tempo encontraram finalmente ambiente para que pudessem ser colocadas em marcha. Vale dizer que esse trabalho não foi por si só um gerador de mudança. Ele apenas ajudou a organizar e endereçar de maneira mais assertiva a energia para pontos congestionados, eliminando alguns gargalos. O propósito no grupo e a busca por ambiente humano baseado em respeito amplo sempre estiveram presentes. Porém, essa inteligência é inegavelmente um acelerador da transformação.
Dois anos depois, em uma nova tomada da ONA, encontramos um padrão muito mais distribuído de influência, interpretado por nós como a segurança para que as pessoas possam ser elas mesmas. Vimos também um CSC assumindo o papel de guardião de cultura, muito melhor posicionado e conectado. Pessoas que não tinham prontidão para o desenvolvimento proposto deixaram o grupo por sua própria vontade e políticas e processos caminham cada vez mais na direção dos valores.




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